sábado, 10 de outubro de 2009

Urbanismo

ENTREVISTA

Urbanista que trabalhou em Barcelona diz que Rio deve aproveitar Jogos de 2016 para mudar modelo de cidade de segregada

Publicada em 09/10/2009 às 23h32m
Paulo Marqueiro - 10 out 2009
O urbanista Manuel Herce, que trabalhou no projeto de Barcelona: o número de turistas quadruplicou / Divulgação
RIO - O engenheiro, professor e urbanista espanhol Manuel Herce Vallejo, de 62 anos, participou ativamente das transformações de Barcelona para as Olimpíadas de 1992, citadas mundo afora como um exemplo a ser seguido. Foi diretor de urbanismo da Área Metropolitana de Barcelona e chefiou o Órgão Especial da Vila Olímpica. De 1988 a 1992, trabalhou na implantação das Rondas Viárias, grandes eixos rodoviários que são hoje um dos maiores legados dos Jogos. De Barcelona, Herce - que já desenvolveu trabalhos no Rio durante os governos de Cesar Maia e Luiz Paulo Conde - diz que as olimpíadas são uma grande festa, mas não devem deixar só ressaca e sim um legado do qual a cidade possa se orgulhar.


Dizem que Barcelona esperou 70 anos para sediar as olimpíadas de 1992. Existe alguma semelhança entre o sonho olímpico de Barcelona e o do Rio? Havia amplo apoio popular, como no caso do Rio?

MANUEL HERCE: Barcelona se candidatou para as Olimpíadas de 1932, mas a Guerra Civil espanhola foi um impedimento. A prefeitura de Barcelona trabalhou fortemente o apoio internacional e do Estado espanhol entre 1984 e 1988 e, para isso, conseguiu um grande apoio popular. Como no caso do Rio, 1988 foi um ano de celebração espetacular. Mas o importante não foram os anos de espera, mas as esperanças na transformação da cidade pela Olimpíada num período de grande crise econômica.

Quanto foi gasto para viabilizar as Olimpíadas?

HERCE: No total, foram investidos pelo setor público US$ 7 bilhões, financiados em três partes pela prefeitura e os governos regional e estadual.

Dizem que existia uma Barcelona antes das Olimpíadas e existe outra depois. De que forma elas mudaram a cidade?

HERCE: É verdade. A cidade não só se transformou fisicamente (virando um modelo universal de espaço público), como também acelerou a mudança do modelo industrial obsoleto, e em crise, para um novo patamar de cidade de serviços. Barcelona passou a ser considerada pela mídia internacional uma das seis cidades mais interessantes para investimentos. Foram a vontade continuada de marketing da cidade, o apoio do cidadão e o lobby criado com a sociedade civil que garantiram o sucesso posterior (assim como um mesmo prefeito por quinze anos e da mesma coalizão política durante trinta anos).

Além das instalações esportivas, que legado as olimpíadas deixaram para a cidade?

As instalações esportivas são um legado menor. Foram maiores legados a construção das rondas viárias (grandes eixos viários), com um novo paradigma de rodovia urbana
HERCE: As instalações esportivas são um legado menor. Foram maiores legados a construção das rondas viárias (grandes eixos viários), com um novo paradigma de rodovia urbana pensada para a cidade por urbanistas, e não só por engenheiros rodoviaristas, que também estiveram presentes; a renovação da cidade antiga; a recuperação da costa e da praia; a reforma do Porto Velho e a revitalização dos bairros baseada nas novas áreas de centralidade.

O Rio tem grandes desafios pela frente, especialmente nas áreas de transportes, hotelaria e segurança. Que semelhanças a gente poderia traçar com Barcelona?

HERCE: Não gostaria de falar do Rio, cidade que conheço bem e adoro. Trabalhei nela com os prefeitos (Cesar) Maia e (Luiz Paulo) Conde. A única coisa que me atrevo a dizer é que a cidade tem que aproveitar os investimentos olímpicos para mudar o modelo atual de cidade segregada socialmente, que cresce cada vez mais longe e abandona o já construído, baseada num automóvel usado só por 25% da população, e com pouca atenção ao espaço público. A cidade tem que recuperar o espírito do Rio Cidade e do Favela-Bairro, mas não sou a pessoa adequada para dar palpite sobre isso.

A área portuária de Barcelona foi revitalizada para as olimpíadas e hoje é uma das atrações da cidade. Depois que o Rio foi escolhido para sediar os jogos de 2016, surgiram sugestões de se construir a Vila Olímpica na Zona Portuária. O que acha da ideia? É possível alterar o projeto enviado ao COI depois da escolha?

HERCE: A Vila Olímpica é uma grande oportunidade para a consolidação do plano do Porto Maravilha, e o COI terá pouco a opor (mas não sei do procedimento de alteração do projeto olímpico). Barcelona combinou a construção da Vila Olímpica (em condições físicas mais desfavoráveis do que o Rio) com a reforma do Porto Velho e a recuperação da degradada Cidade Velha. O processo tem sido seguido sem interrupção com outras operações na mesma linha (ampliação do porto comercial, distrito tecnológico, etc).

Depois das olimpíadas, em quanto aumentou o número de turistas em Barcelona?

HERCE: Barcelona recebe 10 milhões de turistas ao ano, número que tem quadruplicado desde 1985. Não estou seguro se o fato foi consequência da Olimpíada ou da Copa do Mundo de 1982, mas o importante tem sido a imagem de cidade moderna, de grande qualidade do seu espaço público.
Uma olimpíada é uma grande festa, e o importante é que fique não só ressaca, mas também um legado de que a cidade possa estar orgulhosa

De tudo que foi feito em Barcelona, existe alguma coisa que o senhor aconselharia o Rio a não fazer?

HERCE: O importante foi uma direção pública de todo o processo e a grande participação da cidadania em cada operação. Uma olimpíada é uma grande festa, e o importante é que fique não só ressaca, mas também um legado de que a cidade possa estar orgulhosa, além de atrair investimentos e atividades.
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